segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Lá fora a chuva cai


Através do breu nocturno e chuvoso da raia beirã avança o grupo em lenta fila indiana, mais característica de uma romaria de elefantes a um santuário dedicado ao Deus Ghanesha na Índia do que de duas voltas ovais com safety car nas 500 milhas de Indianápolis. Os caixotes de cartão canelado que carregam entre as unhas amarelecidas pelo fumo fugitivo das palhas de barbas de milho, atafulhados de calças de sarja cinzentas, quantidades ridículas de ceroulas de perna completa em malha creme e odorosos queijos de cabra de fabrico alcainense, denunciam o destino dos viajantes como sendo um bidonville de chapa de zinco e fibro cimento encharcado de amianto cancerígeno, paredes meias com os centenários calhaus cravados a verdete, musgo e dejectos columbófilos, empilhados em formato residencial e decorativo nos Champs Elysées.

No coração da fila, Maria Antónia segue cabisbaixo absorta e pensativa, arte à qual não se havia dedicado fazia muito tempo, avaliando as probabilidade de sucesso da justificação treinada com o passador caso o comboio ambulante fosse surpreendido por membros da Guarda Fiscal. Acima de tudo fazia-lhe confusão que num dia de cataclismico dilúvio de pluviosidade, alguém pudesse acreditar que o catatónico cortejo pertencia ao GANG - Grupo de Amantes de Nostradamus e Galileu e que se encontravam em pleno workshop de observação de estrelas, Não era apenas a nebulosidade que lhe provocava agudos espasmos de pessimismo, mas especialmente o par de olhos vitreos de um dos seus colegas de maratona e o tubo em PVC azul-cinza-esverdeado que seria identificado como telescópio pernate o agente de autoridade fronteiriça.

É então que do silêncio ecoa um troar barítono, com um ligeiro sibilar beirão, num berro quase afónico que assusta um casal de cegonhas e dois lagartos, indivíduos sem personalidade que seguem no grupo e cujo gosto futebolístico e desportivo deixa muito a desejar. Um sonoro e grave "XTOOOP" criva os tímpanos dos presentes como se de lascas de ferro fundente catapultado nas suas direcções se tratassem. Na vanguarda do grupo Pedro Paulo Patrício de Péricles Percival, o passador abranda o passo, estreita o olhar e tuge "Pê... ora nomes próprios começados por Pê... ehr.....dificil.... passo... árvores começadas por Pê... hummm...palitos...".  Leves segundos para digestão da resposta terminam com uma trovoada de aplausos e palavras de aprovação a ribombar pela colina ibérica abaixo.

À frente dos peregrinos especa-se um homem pequeno, como o granito e moreno, portanto beirão. Apontando um garfo de dois dentes ao líder do grupo, interroga-o "mazz o que é que ozz xenhorezz andem a fajer por daqui a ejtazz horazz?". A explicação treinada sai mecânica e lubrificada. O treino compensou e aquele walkmen comprado na Feira de Carcavelos para ouvir em loop a frase feita começou a valer o seu preço em ouro. A graciosidade do pequeno carabineiro como que parece que ilumina o local. É sentimento passageiro, na verdade foi ele que acendeu o petromax. "Ah bom, também eu ando à cata daz eztrelazz. Xó não axendi fogueira porque andam por aí unzz filhozz de xenhorazz cuja profixão é cometer pecado repetidamente com outrozz individuozz que não o seu cabexa de cajal, a tentar fugir do paízz... é prexizzo ter cuidado com exa gente... mazz xentem-se, xentem-se... os marshmellowzz estão na minha mochila, xirvam-xe à vontade..."

5 comentários:

artnis disse...

Tino

É pá, pra lá de Benfiquista sou transmontano mas preciso de tradução para os "marshmellowzz"...ou não!

Serão marmelos?!

Constantino disse...

artnis,

livre interpretação é o lema disto. Livre interpretação.

Abraço.

B. disse...

Eu li Marechal Mellows...

Vitto Vendetta disse...

fodazze!

Constantino disse...

Qualquer coisa que inclua "mars" serve... mars caramelows?